Coisar. Eu coiso e tu coisas (sic). Égua, por que não? Há muito este inusitado verbo faz as vezes na língua dos lusos e seus descendentes do verbo get na língua inglesa. Registrado na obra Embargo, do célebre escritor português José Saramago, é usado indiscriminadamente quando se tenta alcançar um sentido bloqueado momentaneamente pelo cérebro.
Uma de suas usuárias mais contumazes com os quais convivo é minha querida avó. Percebo que ela se utiliza dele com grande vigor e pelo que recordo, há muitos anos. Não é que ela desconheça o sentido do verbo ou expressão cabível e o utilize como ‘quebra galho’. O que ocorre é que ela processa rapidamente o que pretende comunicar e acredita que seu interlocutor seja sabedor do mesmo sentido por ela pretendido.
Na maioria das vezes, meu irmão e eu nos divertimos com tais situações e as reproduzimos indistintamente entre nós. Quase sempre é possível entender o que ela gostaria de dizer. Difícil mesmo fica quando ela se refere a um tal inatingível ‘negócio do coisa’!!! Nosso pai entende ou aceita muito bem nosso procedimento. Já mamãe, se aborrece com frequência por não dominar e não fazer a menor questão de assimilar este trecho do código entre nós estabelecido. Em todas as vezes – ainda que não se saiba ao certo a finalidade do ‘coisa’ – é sempre uma grande diversão.
Mamãe não alcança a amplidão social desse brilhante verbo, também advérbio, adjetivo, substantivo, pronome. Após adentrar a universidade como aluno de Letras, me detive com maior empenho nessa análise e constatei sua penetração e aceitação cultural e socialmente. Ontem, tive o seguinte diálogo com minha tia:
– Tia, já vi o coisa. Tá tudo coisa.
– Ah, legal! Que bom!
Em uma linguagem formal, a conversa seguiria assim:
– Tia, já vi o fogão. Tá tudo certo.
– Ah, legal! Que bom!
Por haver entendido tudo o que pretendia lhe comunicar, parabenizei-a dizendo:
– Olha tia, a senhora já sabe se comunicar bem. Parabéns!
Bem, como o mote desta “tese” foi minha avozinha, não poderia terminá-la sem contar o mais recente ato de linguagem por ela praticado empregando seu tão estimado hábito linguístico. Fomos hoje cedo à Santa Missa e travamos os seguintes diálogos.
Na ida, uma cachorrinha se aproximou de nós. Fomos brincando com ela até a metade do caminho. Então disse:
– Vó, é melhor a gente não dar confiança, senão ela vai até a Igreja.
– É, eu sei. Ela já até coisa* na minha mão. (*coisa: fuçou, roçou)
Na chegada a casa:
– Olha, que bom que o Ewerton capinou aqui na frente.
– É, vó. Tava na hora...
– É, só que tem que coisar* tudo pra não ficar coisa*. (*coisar: recolher o mato; *coisa: feio, sujo)
E a última da manhã:
– Meu filho, tira esse pano daqui porque é mais coisa* dessa mosca pra esse lado. (*coisa: a mosca estava perturbando a nossa paciência e sujaria o guardanapo).
E dá-lhe coisa!
domingo, 29 de janeiro de 2012
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Imperativo categórico
Se ontem minha manhã foi alegre e repercutiu por todo o dia, hoje minha tarde foi singular mais uma vez, porém por outro enfoque, diametralmente oposto ao anterior. O cenário foi o mesmo, o Comércio. Um dos motes também, a compra da mesa. O outro foi, talvez, o estopim da vergonha, da inexatidão, do não-lugar.
No dia alegre, fiquei sabendo por um telejornal do triste fim que uma capela do século XVII levara – fechada por falta de manutenção estrutural por se tratar de herança familiar. Acabei passando em frente a ela e também me entristeci. Depois passei pelo mesmo lugar e meu triste sentimento foi ressignificado. Na ida, com fones nos ouvidos, me fechei em meu mundo autista e não atentei aos rogos de uma resignada senhora que à porta do templo se encontrava.
Após um longo período, pelo mesmo trajeto passei, já sem os fones, e ouvi dessa vez o clamor daquela simples alma. Imaginei que esmolasse. Não. Trabalhava honrosamente. Vendia revistas e clamava: “Por favor, me ajuda. Compra a minha revista. Eu preciso. Por favor!”. Parei para atender a esse dócil e dorido pedido. Custava R$ 1,00 cada exemplar. Levaria três. Um passante disse: “Tome, senhora. Só pra lhe ajudar”. Reconsiderei minha decisão e fiz algo parecido: “Vou levar dois e a senhora pode ficar com esse outro real”.
Alguns passos adiante e enorme remorso e culpa por algo do qual eu não era diretamente culpado me lacerou. Estava indo ao shopping comprar uns óculos de sol, completamente desnecessários e supérfluos, pois os meus estão em perfeitas condições e inclusive os usava quando do ocorrido (ele é meu xodó e minha necessidade, ou então andaria tateando à luz do sol). Voltei pensando na abordagem a tomar. Precisava ajudar aquela senhora. Mas como? Saber seu nome, onde mora, porque vive daquele jeito – claro, é a necessidade. Será que é aposentada? Vive com alguém? Alguma coisa eu precisava ouvir daquela bela senhora.
Retornei e me deparei com uma tocante cena. Outro passante lhe ofereceu um copo d’água. “A senhora não pode passar o dia todo aí com sede. Alguém tem que olhar pela senhora”, ao que ela respondeu: “Muito obrigado, meu filho”. Abri a carteira e lhe dei uma cédula. “Tome, senhora”. Queria saber de sua vida, mas não pude. Ela me ofereceu um dos sorrisos mais bonitos e sinceros que já vi. Aquilo me desarmou por inteiro. Só consegui lhe dizer: “Que Deus lhe abençoe!”.
Saí dali profundamente constrangido. Como poderia agora comprar qualquer coisa depois de tudo aquilo? As lágrimas escorriam dos meus olhos, e eram escondidas pelos óculos. Fui à loja. Outros estavam reservados. Achei-os detestáveis. “Tens certeza de que eu escolhi esse?”, perguntei ao vendedor. “Absoluta!”, foi sua resposta. “Mas como pode eu ter escolhido ontem e hoje achar um grande lixo?”. Ao entrar em outra loja, comentei com o vendedor do acontecido e ele me disse sabiamente que isso depende diretamente do estado emocional atual. Concordei. Não quis, ou não era cabível – não sei – comentar o real motivo. Até mesmo porque tudo ainda estava muito confuso em minha cabeça. (Está).
Queira Deus pôr aquela iluminada e abençoada senhora em meu caminho.
No dia alegre, fiquei sabendo por um telejornal do triste fim que uma capela do século XVII levara – fechada por falta de manutenção estrutural por se tratar de herança familiar. Acabei passando em frente a ela e também me entristeci. Depois passei pelo mesmo lugar e meu triste sentimento foi ressignificado. Na ida, com fones nos ouvidos, me fechei em meu mundo autista e não atentei aos rogos de uma resignada senhora que à porta do templo se encontrava.
Após um longo período, pelo mesmo trajeto passei, já sem os fones, e ouvi dessa vez o clamor daquela simples alma. Imaginei que esmolasse. Não. Trabalhava honrosamente. Vendia revistas e clamava: “Por favor, me ajuda. Compra a minha revista. Eu preciso. Por favor!”. Parei para atender a esse dócil e dorido pedido. Custava R$ 1,00 cada exemplar. Levaria três. Um passante disse: “Tome, senhora. Só pra lhe ajudar”. Reconsiderei minha decisão e fiz algo parecido: “Vou levar dois e a senhora pode ficar com esse outro real”.
Alguns passos adiante e enorme remorso e culpa por algo do qual eu não era diretamente culpado me lacerou. Estava indo ao shopping comprar uns óculos de sol, completamente desnecessários e supérfluos, pois os meus estão em perfeitas condições e inclusive os usava quando do ocorrido (ele é meu xodó e minha necessidade, ou então andaria tateando à luz do sol). Voltei pensando na abordagem a tomar. Precisava ajudar aquela senhora. Mas como? Saber seu nome, onde mora, porque vive daquele jeito – claro, é a necessidade. Será que é aposentada? Vive com alguém? Alguma coisa eu precisava ouvir daquela bela senhora.
Retornei e me deparei com uma tocante cena. Outro passante lhe ofereceu um copo d’água. “A senhora não pode passar o dia todo aí com sede. Alguém tem que olhar pela senhora”, ao que ela respondeu: “Muito obrigado, meu filho”. Abri a carteira e lhe dei uma cédula. “Tome, senhora”. Queria saber de sua vida, mas não pude. Ela me ofereceu um dos sorrisos mais bonitos e sinceros que já vi. Aquilo me desarmou por inteiro. Só consegui lhe dizer: “Que Deus lhe abençoe!”.
Saí dali profundamente constrangido. Como poderia agora comprar qualquer coisa depois de tudo aquilo? As lágrimas escorriam dos meus olhos, e eram escondidas pelos óculos. Fui à loja. Outros estavam reservados. Achei-os detestáveis. “Tens certeza de que eu escolhi esse?”, perguntei ao vendedor. “Absoluta!”, foi sua resposta. “Mas como pode eu ter escolhido ontem e hoje achar um grande lixo?”. Ao entrar em outra loja, comentei com o vendedor do acontecido e ele me disse sabiamente que isso depende diretamente do estado emocional atual. Concordei. Não quis, ou não era cabível – não sei – comentar o real motivo. Até mesmo porque tudo ainda estava muito confuso em minha cabeça. (Está).
Queira Deus pôr aquela iluminada e abençoada senhora em meu caminho.
Dia felizão!
Há um bom tempo que por aqui não apareço. É que hoje meu dia foi muito bom e decidi deixar um pouco de lado os poemas e partir pra prosa (ou melhor, voltar a ela – afinal, foi assim que tudo começou).
Meu dia deveria se iniciar às 7h, mas enrolei e levantei trinta e sete minutos depois, o que me impossibilitou de chegar a tempo à aula de espanhol. Bem, como não mais assistiria minha aula, mas ainda assim precisava ir ao Comércio, decidi levantar e fazer pelo menos a primeira parte do que deveria.
Logo que cheguei à parada de ônibus o peguei. Bom sinal! Ao descer, revi meu querido CEPC da adolescência. Então, entrei na primeira ótica. Depois dessa, mais 14 se juntaram à primeira. Também visitei o ourives. Não entendo como meu anel de formatura inventou de quebrar, mas quebrou... Se fosse de caroço de tucumã, até vá lá, mas o bicho velho é de prata. Fazer o que, né?! Fiquei sabendo que até mesmo aço quebra.
Nesse périplo, encontrei a diva “Leona, Assassina Vingativa” como uma reles mortal, caminhando pelas ruas do Comércio. Parei para admirá-la e ver se era de verdade. E num é que era?! Também precisava comprar uma mesa para cozinha. E haja andança! Comprei sabonetes de argila para dar de presente, um cordão e um pingente. A mesa, não. E se eu comprasse a que mais queria, e logo depois encontrasse uma mais barata? Não, melhor não.
(Ah, parênteses necessários. Quando da compra do cordão e pingente, minha intenção era apenas adquirir o primeiro, mas nada custava levar o segundo. Havia vários de motivos religiosos, porém a vendedora nada sabia informar... Comecei a lhe dizer de muitos que eu sabia. E ela: “Peraí, que tu já vai me dizer de um por um, que eu também não sei e eu vou anotar tudinho”. “Tá”, respondi. “Olha, essa aqui é Nossa Senhora da Rosa Mística. Essa, Nossa Senhora de Fátima. Essa outra aqui, Santa Rita. Esse aqui é São Francisco Xavier”. “Tu sabe de tudo isso porque tu é dessa religião, né?!”. “Sim, sou católico!”. Saí da loja rindo, de contente e do inesperado, daquela situação.)
Bem, pelo menos os óculos foram encomendados. Da mais alta qualidade – lentes fotossensíveis e antirreflexo (as marcas mais famosas e de referência)! E o melhor: com uma economia de mais de 60% entre os opostos. Parei brevemente em uma Igreja. Ainda preciso me confessar. Alegria nenhuma é completa quando a alma encontra-se atordoada. O padre estava conversando. Tremi um pouco e refuguei. “Depois eu volto”.
Por essas simplórias palavras não consigo expressar a alegria que senti nessa manhã. Contudo, escrever ajuda-me a rememorar uma simples e bem vivida etapa do meu dia, da minha vida. Ser feliz, olha aí, é fácil!
Meu dia deveria se iniciar às 7h, mas enrolei e levantei trinta e sete minutos depois, o que me impossibilitou de chegar a tempo à aula de espanhol. Bem, como não mais assistiria minha aula, mas ainda assim precisava ir ao Comércio, decidi levantar e fazer pelo menos a primeira parte do que deveria.
Logo que cheguei à parada de ônibus o peguei. Bom sinal! Ao descer, revi meu querido CEPC da adolescência. Então, entrei na primeira ótica. Depois dessa, mais 14 se juntaram à primeira. Também visitei o ourives. Não entendo como meu anel de formatura inventou de quebrar, mas quebrou... Se fosse de caroço de tucumã, até vá lá, mas o bicho velho é de prata. Fazer o que, né?! Fiquei sabendo que até mesmo aço quebra.
Nesse périplo, encontrei a diva “Leona, Assassina Vingativa” como uma reles mortal, caminhando pelas ruas do Comércio. Parei para admirá-la e ver se era de verdade. E num é que era?! Também precisava comprar uma mesa para cozinha. E haja andança! Comprei sabonetes de argila para dar de presente, um cordão e um pingente. A mesa, não. E se eu comprasse a que mais queria, e logo depois encontrasse uma mais barata? Não, melhor não.
(Ah, parênteses necessários. Quando da compra do cordão e pingente, minha intenção era apenas adquirir o primeiro, mas nada custava levar o segundo. Havia vários de motivos religiosos, porém a vendedora nada sabia informar... Comecei a lhe dizer de muitos que eu sabia. E ela: “Peraí, que tu já vai me dizer de um por um, que eu também não sei e eu vou anotar tudinho”. “Tá”, respondi. “Olha, essa aqui é Nossa Senhora da Rosa Mística. Essa, Nossa Senhora de Fátima. Essa outra aqui, Santa Rita. Esse aqui é São Francisco Xavier”. “Tu sabe de tudo isso porque tu é dessa religião, né?!”. “Sim, sou católico!”. Saí da loja rindo, de contente e do inesperado, daquela situação.)
Bem, pelo menos os óculos foram encomendados. Da mais alta qualidade – lentes fotossensíveis e antirreflexo (as marcas mais famosas e de referência)! E o melhor: com uma economia de mais de 60% entre os opostos. Parei brevemente em uma Igreja. Ainda preciso me confessar. Alegria nenhuma é completa quando a alma encontra-se atordoada. O padre estava conversando. Tremi um pouco e refuguei. “Depois eu volto”.
Por essas simplórias palavras não consigo expressar a alegria que senti nessa manhã. Contudo, escrever ajuda-me a rememorar uma simples e bem vivida etapa do meu dia, da minha vida. Ser feliz, olha aí, é fácil!
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